Eram 18h35 desta quinta-feira, 29, quando os toques dos tambores começaram a ecoar pelo Solar do Unhão: um aviso de que a 3ª Bienal da Bahia havia começado. O público que aguardava pelo início da programação no Museu de Arte Moderna da Bahia foi convidado a conferir a percussão de 33 alabês, embalada pela voz da cantora Inaicyra Falcão – filha de Mestre Didi (1917-2013) – e pelo violão de Maurício Lourenço.

Após a apresentação, era hora de iniciar o cortejo performático da artista portuguesa Luisa Mota, com a participação de 70 voluntários. Da concentração no MAM-BA até o Passeio Público – passando pelo Largo 2 de Julho e Rua Carlos Gomes – a procissão foi reunindo cada vez mais pessoas interessadas pela obra e curiosas pelo seu desfecho.

Cortejo-performance atraiu olhares pelas ruas do centro da capital baiana | Foto: Alfredo Mascarenhas

Cortejo-performance atraiu olhares pelas ruas do centro da capital baiana | Foto: Alfredo Mascarenhas

Seja das varandas dos prédios, dos bares ou das calçadas, todos os olhares se voltaram para a performance Genesis e Genes, que foi de parar o trânsito – literalmente. Durante a caminhada, parte dos performers, caracterizada com roupas metálicas de “homens invisíveis”, segurava três tapetes azuis bordados por onde passavam os participantes “imaculados”, completamente despidos.

Esta foi a primeira vez que a jornalista Ana Paula Nobre participou de uma ação artística. A “mulher invisível” conta que valeu o esforço por toda a procissão. “Foi muito intenso e interessante, porque eu sempre contemplei a arte, mas desta vez foi uma oportunidade de estar inserida e contribuir de alguma forma para o processo”, ressalta.

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Já a professora Silvania Cerqueira passou por experiências anteriores na área de artes cênicas, com atuação nas ruas e foco na técnica do Teatro do Oprimido. “Já estava acompanhando a Bienal desde o início, quando vi a divulgação da performance e resolvi participar. Por conta do contexto das últimas greves em Salvador, muitas pessoas devem ter achado que era uma revolta do povo contra esta situação”, reflete.

Durante o percurso, inúmeras pessoas questionaram do que se tratava a “manifestação”. Casais que saíam dos restaurantes, garçons que indicavam o movimento aos clientes e até mesmo crianças que moravam na região pararam para registrar a cena. Uma das pessoas que acompanharam o movimento foi o filósofo Antonio Saja, que enfatiza a importância da retomada da Bienal.

“Acredito que este seja um dos eventos mais importantes dos últimos anos. Acho que isso representa, de fato, uma experiência nova e cidadã. Como Jorge Amado diz que ‘ser baiano é um estado de espírito’, Marcelo Rezende é o mais baiano neste dia”, opinou.

Ana Paula e Silvania fizeram parte da ala dos "homens invisíveis" | Foto: Alfredo Nascimento

Ana Paula e Silvania fizeram parte da ala dos “homens invisíveis” | Foto: Alfredo Mascarenhas

Ao adentrarem pelo portão principal do Passeio Público, no Campo Grande, as cerca de 500 pessoas que acompanharam o cortejo foram recebidas pelo grupo da Universidade Livre do Teatro Vila Velha. Vestidos apenas com um tipo de saia de pano e com o torso nu pintado de vermelho, os integrantes do grupo convidaram o público a se aproximar e depois realizaram uma apresentação de música e protesto.

A programação prosseguiu com o bloco de rua De Hoje a Oito, a banda de forró Ceguêra de Nó e o show de transformistas com Mitta Lux.

Exposição itinerante

Ao mesmo tempo que as outras ações se desenrolavam, o Casarão do MAM-BA recebeu a abertura da exposição No Litoral é Assim, com 15 obras de artistas locais e internacionais, como Lina Bo Bardi, Juraci Dórea e Yoko Ono, entre outros. O vídeo Mito e Contramito da família Pernambucobaiana, de Jomard Muniz de Britto, é exibido em tempo contínuo (looping).

Uma das presenças marcantes na abertura foi a do artista Juarez Paraíso, idealizador das duas primeiras bienais, realizadas em 1966 e 1968. Segundo ele, esta 3ª edição reconhece os personagens que transformaram a Bahia em capital artística do país.

Confira o depoimento de Juarez Paraíso:

[box] “Esta Bienal traz reconhecimento a todos aqueles que, há 46 anos, sofreram e suaram para fazer duas bienais, tornando a Bahia a capital artística do país, no contexto da ditadura militar, com muito sofrimento. Acho importante a 3ª Bienal da Bahia, porque ela não é uma repetição da primeira e da segunda. Ela realmente resgata a memória dessas duas primeiras, mas tem consciência e concepção próprias. Aliás, estou até buscando esse diferencial, comparado às bienais que existem no Brasil e no mundo. É uma bienal que descentraliza a cultura, busca o povo e uma diversidade de pesquisa que vai trazer à Bahia um conhecimento que ela própria desconhecia, através do Arquivo Público e do Mosteiro de São Bento. A integração entre as atividades artísticas e a valorização da cultura afro dignifica essa 3ª Bienal e dá a ela um aspecto diferenciado. Mostra ao governo que é possível e necessário dar sequência às coisas e o maior mal dele é não dar continuidade aos projetos de governos anteriores”[/box]

Os artista Jayme Figura, um dos participantes da Bienal, também prestigiou a programação e aproveitou para falar sobre a sua obra. “Vou lançar minha banda The Farpas, com poesias de minha autoria, que declarei no movimento punk do rock n’roll. Estou muito satisfeito em produzir esse tipo de arte para a Bienal e poder trazer o meu rap metal”, antecipou ele.

Após a temporada no MAM-BA, a mostra itinerante vai circular por quatro cidades do interior baiano (Juazeiro, Alagoinhas, Feira de Santana e Vitória da Conquista) durante todo o período da Bienal, até o dia 7 de setembro.

Público conhece as obras da exposição itinerante No Litoral é Assim | Foto: Alfredo Nascimento

Público conhece as obras da exposição itinerante No Litoral é Assim | Foto: Alfredo Mascarenhas

Nesta sexta-feira, 30, acontece a abertura da Bienal da Bahia no interior. O artista Juraci Dórea, os curadores e artistas convidados, além do secretário estadual da Cultura, Albino Rubim, irão até a Fazenda Fonte Nova – situada a 30 km de Feira de Santana –, onde o artista realizará uma ocupação da Casa Museu Eurico Alves, produzindo na hora uma escultura de couro e madeira que permanecerá no local.

Além disso, haverá um encontro do Grupo Hera (poetas e escritores de Feira de Santana) com o artista pernambucano Paulo Bruscky. A escolha do local se deu por sugestão do próprio artista, que deseja atrair a atenção dos governantes e da população de Feira de Santana – sua cidade de origem e de residência – para esse espaço, onde morou o poeta Eurico Alves. Esse encontro será pontual e aberto ao público.

*Colaborou Blenda Tourinho